Contudo às vezes penso que por dar passos mais pequenos, ando muito mais do que quem dá passos grandes.
Com passos pequenos parece que o percurso se torna mais longo. Mais tenebroso, onde as subidas e qualquer outro obstáculo, ainda nos fazem abrandar mais.
Parece que os passos longos são um salto direto para o futuro, aguardando pelas consequências lá a frente, enquanto que os passos curtos nos fazem viver os obstáculos dia após dia.
Mas também são os passos curtos que nos fazem apreciar a caminhada.
Os passos longos só olham em frente.
Os passos curtos olham para cada pedacinho do percurso.
E é muita vez durante esse percurso que vemos que os gigantes que víamos lá ao fundo, são apenas os moinhos de vento de Dom Quixote.
Eu sou sem dúvida de passinhos curtos.
As vezes mais rápido, procurando sair da minha zona de conforto. Outras vezes mais devagar, porque os obstáculos nao permitem.
Mas na maior parte das vezes, ao meu ritmo. Aquele no qual eu me sinto confortável.
Quem passa aqui por cima, julga que este é um lugar silencioso.
Não estão muito enganados.
Tantas vezes aqui só se houve o guizo das cabras e os passarinhos.
Quem olha da estrada, julga que este é um lugar deserto.
Não vos censuro.
Tantas vezes daqui parto de manhã, e chego ao fim da tarde sem ver ninguém.
Mas quem passa e olha da estrada não sabe tantas coisas. Não sabe que somos só 10 casas e 30 moradores, e que nos conhecemos todos pelo nome. Que coabitam neste lugar 3 gerações de pessoas. Todas elas já moldadas pela serra. As vezes mais abertas, faladoras, festivas. Outras tantas mais recolhidas, fechadas, silenciosas.
Há dias que acordamos cheios de sol.
Outros com tudo enublado. Tantas vezes, cobertos de nevoeiro, e quase a toda a hora, com vento.
Mas sempre, sempre, com a serra a nossa volta.
Quem passa ali da estrada não sabe que temos um presépio comunitário. Que enfeitamos o Chorão todo no Natal. Que cantamos os reis de porta em porta. Que fazemos muitas festas todos juntos. Que saltamos à fogueira. Que os miúdos correm de um lado para o outro.
Mas deixem-me falar-vos desta gente. Da generosidade que aqui mora. Das partilhas a toda a hora - de afectos, conversas, hortícolas e outras tantas.
E deixem-me falar-vos deste local. Temos animais. Temos hortas. Temos árvores. Temos vista. Temos sol. Temos humidade. Temos nevoeiro. Temos muito calor. E temos também muito frio.
Temos pastores. Temos quem saiba fazer queijo. Temos quem saiba costurar. Temos avós e avôs dos seus e de outros. Temos quem ame plantas. Temos disponibilidade sempre para colaborar. Temos inventores sempre dispostos a fazer a maior árvore, o maior presépio, o maior tudo de Alenquer e do mundo. Temos quem cá esteja há menos tempo, mas sente-se como vivendo aqui desde sempre. Temos um bebé recém nascido, 3 crianças pequeninas e 3 adolescentes. Tantas crianças e todas elas tão diferentes umas das outras. Temos cães, muitos, que nos guardam dia e noite.
Acima tudo temos todos um grande amor por este sítio.
Aqui na encosta da serra (ou na aba, como preferirem).
Envolvidos nesta névoa que muitas vezes nos convida a recolher, vivemos e partilhamos histórias, que desde sempre, vão passando de geração em geração.
Há pessoas que vão surgindo na nossa vida e entrando devagarinho. Aparentemente não têm nada a ver connosco, mas vão criando espaço. Estendem-se e acabam por ficar para sempre. São como as árvores que plantamos e vamos vendo crescer.
Também há aqueles que por mais voltas que a vida dá, gostam tanto de nós, que mesmo na ausência estão presentes. São raízes. Já não saem da nossa vida.
E depois há aqueles que surgem de rompão. Deixamos eles instalarem-se tão rápido, porque a empatia é imediata. São as plantas mais frágeis. Aquelas que vão embora na primeira ventania.
Hoje fui caminhar. E enquanto caminhava pensava nisto mesmo.
Esta serra é mágica e está cheia de toda a espécie de árvores e plantas.
Como as nossas relações.
Olhando para esta foto, acho que conseguimos ver as três camadas que falo. As árvores, as raízes, são o mais verde. Contudo, são as secas que estão mais perto de nós. Estas já foram verdes e bonitas, mas são as que secam mais depressa.
Muitas vezes temos tendência para dar mais valor as plantas que surgem do nada, mas se tornam tão bonitas, que nos deixamos envolver. São relações tão frágeis no fundo, que basta vir o vento, limpar a folhagem e a realidade surge.
Felizmente existem as raízes, que por mais que as tempestades surgam, não saem dali. E depois há aquelas árvores que plantamos, regamos, e elas vão dando os frutos ao longo do tempo.
Já me desiludi com plantas.
Mas graças a Deus, tenho boas raízes e vejo muitas árvores a dar frutos.
(São frutos que nem sempre os colho, é verdade, mas vocês já sabem como sou. 🥰)