José
Era o seu nome. Mas não era assim que era conhecido. “Zé Flamor”. Não sei o porquê, nem de onde veio a alcunha. Mas era assim que era conhecido. Um homem alto, e bem bonito, quando ainda era jovem. Já só o conheci velhote. O meu avô. Uma pessoa que se notava quando estava presente. Voz alta. Posição altiva. Muito amigo. A gostar de participar em eventos sociais e familiares, mas de preferência em posição de liderança, mesmo quando não organizado por ele, no espaço dele. Falava muito. Tinha inúmeras histórias para contar. Não sei se eram todas verdadeiras. Deixava-me a mim e aos meus irmãos comer gelados. Mas dos baratinhos. As vezes pedíamos-lhe um corneto. Não me lembro se alguma vez deixou. Levava-nos a comer caracóis ao Alves. Uma garrafinha de sumol de laranja para os três (eu, e os meus irmãos). Era “chatinho” com a horta e com os animais. Pedia-nos ajuda, mas aquilo era quase uma ordem. Nós éramos pequeninos, e cabíamos no galinheiro, podíamos limpar. Fez-me passear por Odivelas, com uma ovelha e um borrego [A Boneca e o Chico]. Andava a pastorear e nós íamos com ele. [Eu detestava aquilo, e morria de vergonha de que algum colega da escola me visse]. Pior. Fez-nos ganhar afectos aos bichos, e um dia matou-os para serem comidos. Ainda me lembro de entrar no barracão e ver os animais mortos, cortados e pendurados. Ia connosco ao parque dos bombeiros, porque a minha irmã era mais nova e não tinha idade para entrar sem adulto. Dava o colo para escondermos a cara, quando jogávamos a escondidas e ajudava os outros dois com esconderijos. Ria-se sempre nestes momentos. Ralhava connosco a hora de almoço, porque fazíamos muito barulho e não o deixávamos ver as notícias. Via o jogo de futebol na tv e ao mesmo tempo ouvia o relato na telefonia. Adormecia enquanto isto acontecia, e quando eu ia mudar de canal, acordava. Falava sozinho, muitas vezes. Era “pica-miolos”, com os outros, porque ele tinha sempre razão. Comprou-me um pc, quando eu ainda nem sabia o que era um pc. Ao serão, queria que eu jogasse as cartas com ele. Ou ao dominó. As vezes não me apetecia, mas joguei sempre. As 6ª feiras, amuava comigo quando eu não lhe fazia o totoloto. Ouvia a grelha do totobola que eu lhe lia, e dizia 1, ou X ou 2 [ele não sabia ler]. Todas as manhãs, bem cedinho, ligava a telefonia ainda na cama e ouvia o António Sala. Eu acordava sempre com aquele barulho de fundo. Queria muito que eu fosse “alguém na vida”, que estudasse. Ele já não ficou cá para ver, mas eu tentei sempre fazer por isso.
Já se foi embora a mais de 20 anos. E só esteve comigo 17. Mas o impacto que teve na minha vida, esse é marcante e inesquecível. Saudades.