Memórias... [das boas]
As memórias da minha infância são (entre outras coisas) feitas de sabores e sons.
Lembro-me da cozinha da minha avó. Lembro-me da hora das refeições em casa dos meus avós.
Éramos muitos (miúdos). Eu, os meus irmãos, primas, e outros que os meus avós sempre acarinharam e que também os chamavam de avós. O barulho á mesa era uma constante. E o meu avô, todos os dias a tentar ouvir as notícias. As notícias na telefonia, sempre. Lembro-me também, de ouvir os “parodiantes de Lisboa”. Sempre a seguir ao almoço.
As pequenas iguarias que ela cozinhava, mais ninguém consegue fazer. Eu própria, que vi tantas vezes e que a ajudei, não consigo que fique igual. O segredo, era o tempo. Havia tempo para cozinhar. Aliás, havia tempo para tudo. Até para brincar connosco. São os avós.
O meu avô era talvez dos únicos, que toda a gente na rua, sabia de quem era avô.
Os meus avós não sabiam ler, nem escrever. Não eram ricos, mas também não eram pobres. E tinham uma capacidade, com muito valor: de envolver. [Estive que tempos a pensar na palavra, nenhuma me parecia suficientemente esclarecedora. Mas é isto mesmo.] Não havia ninguém que não gostasse de estar ao pé deles. Desde miúdos, a graúdos. Quando estavam (ou quando chegavam), estavam com tudo. Estendendo aos outros, aquilo que “era deles”.
E são também estes sons que tenho nas minhas memórias. Eles com os outros. E o sentido de humor deles. E a carne assada. E as filhoses. E as idas à praia, enquanto eles ficavam no pinhal. E as almôndegas. E a tv ligada a dar o Benfica, sem som, pois ele queria ouvir o relato na telefonia. E ele a apoiar a nossa cara, enquanto um de nós contava, e os outros se escondiam. E ir lanchar ao café, com ela e as suas amigas.
E as saudades. Caramba. As saudades.